quarta-feira, 23 de setembro de 2020

sobre amor

É preciso conectar-se ao amor mesmo quando ele sangra mesmo quando sufoca mesmo quando ele grita mesmo quando é morte em vez de vida. É preciso conectar-se ao amor mesmo quando um vento frio atravessa a alma e e apaga subitamente, as velas que residem nos móveis. É preciso seguir, posto que é deste lugar,que pulsa e sangra,que advém o componente de magia com a qual fazemos dancar a vida.Elemento primordial que nos faz humanos. Ainda que não persista,ele aprofunda, delinea caminhos,desvios,fluxos de água, mar e rio, palavras e gestos,corpos que pulsam diante do ser.Encontros que se firmam no instante do toque, no intervalo do não. O amor intensa e desmesuradamente É.E através de suas aguas seguimos, passageiros incertos diante de um oceano de metáforas.sempre esperando a próxima onda,sem saber se esta será a derradeira, que nos irá afogar para todo sempre.. e de todo só resta o silêncio que por vezes paira na aura e a coragem de mergulhar.

domingo, 15 de março de 2020

Fluxos

Por Debora Restum e Tati Mendes


No toque dos corpos, no fluxo da vida, a pele segue a urgência do sentir caminho que passa por sangue,suor e lágrimas Poesia feita de poeira e sonhos.. Desejo que rompe as amarras do cotidiano e ousa ser voz, energia, na coragem de ser nós, faca que corta a carne, aperta o peito, mãos que se abrem à revelia do Eu... E enquanto cada segundo, no correr do relógio risca na alma um instante a menos do existir, a vida ousa ser mergulho, no inesperado, caminho indefinido entre o sim e o não,onde não há controle, só o movimento constante de sons e imagens, só o corpo que treme diante do caos e a paixão da vida. Diante de si o medo. Medo de deixar de ser Medo de não ser mais Mas só se é no fluxo. É preciso assumir o risco de abrir as mãos e cerrar os olhos para sentir o sutil toque do novo sob a pele que ainda sangra sobre os sonhos e a ousadia de tentar reter as engrenagens do tempo. Porque será em vão. Às janelas trancadas, a inevitável poeira dos dias adentra a casa Ao menor descuido, o mar invade a alma, inescapável, em todas as suas metáforas. E a única coisa fazer é ter a coragem de deixar-se ir,sem direção ou controle. Onde o único caminho possível é soltar as amarras e mergulhar,corpo e alma, medo e desejo, luz e escuridão.. Porque ha um instante, que não se ousa reter e caminhar, nas nas galáxias intermináveis que ligam o nós. No meio desgovernado do ser, no entre da gente, na vida que transborda vida, na alquimia sem catálogo do que esta sempre por vir. Inédito pela comunhão de ser. Outro e outro e outro, no desenrolar de experienciar mundo.E outros mundos são criados na cadência de estrelas.Não há narrativa prévia, não há roteiro, não há enredo. Não há garantias.Há uma obra aberta para a vida e a morte para além do fim. Não há fim. Há movimento. Fluxo que amedronta e surpreende na sutileza de ser grande, na certeza de ser inteiro, e no dinamismo de ser livre.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Murmúrios da cidade

Andando pela cidade a gente pratica a cartografia das escutas, vai mapeando pelas ruas as falas e gestos do povo e assim entendendo um pouco de um espaço compartilhado, de sentir e de conviver...No colorido das roupas, no comércio popular é onde as trocas acontecem e é muito interessante perceber a mudança dos rostos, o ar de festa, a fila para vender ( e comprar) o body amarelo, as camisas numeradas esticadas no meio do passeio, os ambulantes contando piadas do jogo anterior... Nessa fluxo incessante de gente e falas, de imagens e sons é impossível determinar onde começa e onde termina o espaço de cada um. De que cidade falamos? Do traçado de cada ponta do VLT? Dos novos canteiros da prefeitura? Dos músicos de rua atravessando a Rio Branco com seu violino? Do artesão de arame ou do vendedor de livros, dos corredores de camelôs, dos territórios de cada morador de rua, das nuvens de executivos, advogados, idosos, nas vitrines das farmácias, nas mesas dos cafés. Quem pode determinar o que faz ou não faz parte da cidade? De certo não é o prefeito, ou a prefeitura, que notadamente não ouvem os fluxos diversos e não são capazes de perceber a quantidade de cidades diferentes que se cruzam, se desafiam, rompendo e reinventando fronteiras. Todos os dias. Quem ousaria determinar o quarteirão do Teatro ou da Biblioteca como o único caminho possível? Quem poderia dizer quais os melhores ângulos ou os enquadramentos possiveis? quais narrativas deveriam sobreviver ou serem dizimadas? Não seria alguém que não compreendesse essa cidade como plural, como palco de negociações e conflitos, ressignificações e encontros. Sem pisar na rua, sem ouvir a cidade, o único caminho possível é a intolerância.







Estive recentemente em uma aula de História do Rio de Janeiro no MAR. De todas as falas, a que mais me tocou foi quando em, um dado momento, o professor explicava da formação do território, das muitas cidades presentes em um mesmo espaço, atravessado por diversas culturas e marcadamente negra e indígena. Aqui e ali terreiros, giras, ladeiras, quintais, praças, rodas, falas, gestos, desafios, conflitos, formando uma colcha de retalhos que hoje convencionamos chamar de Rio. No projeto da cidade que até hoje ilustra os cartões postais e projetos turísticos, não sobrevive o extracampo, as falas silenciadas, as histórias de vida, os rituais, as rezas, as comidas, as mãos e braços, as cores diversas. Temos um espaço riscado a lápis, saindo das plantas para os imaginários que fomenta nossa ideia de lugar...mas se olharmos bem, aqui e ali, em cada imagem vista ouvem-se murmúrios, gritos, lamentos, um rastro de sangue e suor, sobrando das calçadas, descolando os paralelepípedos, percorrendo os postes, subindo a ladeira dos morros e tomando para si o espaço roubado...ainda somos a mesma cidade negra e indígena, das rodas e rezas, atravessando o cotidiano e sobrevivendo em meio ao caos.