quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Recortes

Do vinco das roupas que acabaram de ser passadas. As mãos que ajeitam, nervosamente, a camisa, de frente para o espelho. O perfume de sabonete, misturado aos odores de limpeza, do chão que acabou de ser polido. O som do salto dos sapatos, que percorrem apressadamente o corredor. A maquiagem rescendendo no rosto, enquanto as mãos, trêmulas, ajeitam o penteado no reflexo do celular. E a alma nova, que transparece ao redor, o sorriso nervoso, ensaiado ontem no espelho, depois de uma semana de correria e espera. É hoje,as 10h,na abertura dos portões,que começa um novo ciclo,de contatos, frases,pessoas e a esperança,essa sim que não cabe dentro do peito, porque é natal,oras,época de renovar os caminhos,de molhar os pés no mar e agradecer o rumo diverso,sobre o singelo nome de “novas oportunidades para o período natalino”. Já de longe os recém-contratados são fáceis de identificar, basta olhar. Estão sorrindo, transbordam boa vontade, anseiam por serem úteis. Aos poucos, a loucura do consumo e o velho hábito da impaciência humana acabarão, infelizmente, por levar-lhes o restante de energia que tiverem. Mas,ah!,enquanto têm esperança e anseiam por um novo dia, como é maravilhoso ver-lhes, já no início do dia, as baterias recarregadas, procurando com os olhos os primeiros clientes. Daqui,do café onde escrevo,da confortável posição de espectadora que me coube,eu queria ter a mesma sensação de recomeço que consigo perceber em seus olhos. Que importa que o sistema os vá oprimir?Que o transporte vá lotar?Que o salário não vai ser suficiente?Nesse breve momento que congelo em minha retina, eles tudo podem, porque esperam.

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